sexta-feira, 5 de junho de 2009

A estética das civilizações sentadas


Gestos fluidos, roçagar de panos imateriais.
Recortes no ar das mãos do Tao.
Ligação braço, pulso, mão, em osso frágil
como quem desenha.
Forma tão solta: os contornos andam no ar até que
a figura se materialize na postura ancestral do animal mitológico.
O tigre sai da montanha e o elefante espera.
Acocoramentos na cozinha à volta das frigideiras
em jogo do pau e o forno é terra.
Floreados de legumes como em Angkor Wat.
Pelas praças calcetadas a negro basalto e branco luz,
deslizam azuis sazonais e nostálgicos.
Donde terá vindo esta árvore tão exótica
que motiva esta intercepção textual como quem vai ao cinema.
Não sei porquê recordo Dien-Bien-Phu e a paciência
estratégica do povo de Hô-Chi-Min. Imagino o silêncio,
a camuflagem, a progressão lentíssima, a alimentação precária,
o sono sobressaltado debaixo dos jacarandás,
ou, pelo contrário, o general Giap de camuflado azul,
tentando passar despercebido na Praça do Correio-Mór e,
de seguida, tomar de assalto a Sé de Lisboa
sem armas nem canhões, de mãos nuas.

Sei porque recordo o meu Mestre Nguyên Duc Môc que
me ensinou o pássaro e o peixe dentro de nós,
a ilusão do corpo, uma espécie de aura
onde não estamos e, dizia-me:
-podes ser dragão.
Quando o sémen da papaia se gruda
na folha verde luxúria, na folha verde
que estremece apenas e, tumescente, escorre
pela mão aberta e curiosa, só então se entende
o desenho dos telhados dos pagodes,
revirados para o centro, para que a energia se não escape.
E a mão-folha, cola-se à polpa dos dedos
como quem experimenta e, sob os olhos adolescentes,
desfila o futuro do corpo.
As figuras de pedra de seios amputados
pela iconografia proscrita, observam o tempo desse olhar.
Lentamente, sabendo do fogo e dos véus.
Tantos homens passaram por aqui. O que disseram?
Alguns afagaram com mãos de pedra um sorriso antigo
à beira das estátuas, no abismo das civilizações e,
com a morte na boca, prosseguiram.
Outros perderam-se nas areias movediças
das cidades soterradas. O sangue
dos camelos empapou as planícies amarelas.
Fez-se verde pela madrugada. Brotou o grão.
Outros, tantos e tantos, cegos, tactearam
os templos e as árvores, o fruto e o texto,
a febre e o Sol. De nada lhes serviu.
Riram-se, quando ouviram a história do monge
aprendiz que não conseguia meditar.
— Jovem, tinha sido entregue aos cuidados do mosteiro.
Nem o frio nem a disciplina férrea da casa conseguiam
quebrar a irreverência e a energia inesgotável de Dilip.
O seu Mestre desesperava. Não conseguia obter dois minutos
de concentração do pupilo, mente ausente, olhos nas águias.
Era incapaz de ficar em silêncio,
de se concentrar no lótus. Todos os exercícios foram em vão.
Uma tarde, o Mestre chamou-o e disse-lhe:
— Na tua aldeia de que é que gostavas mais?
— Da minha vaca Mestre, gostava tanto da minha vaca!
— Pois bem Dilip, vai para a tua cela e tenta meditar na tua vaca!
Três dias depois, toda a gente estava preocupada.
Dilip não voltara a aparecer nas aulas
e foram à sua procura. Encontraram-no na cela
com um ar pálido e ausente em profunda meditação.
O Mestre falou com ele dizendo-lhe para sair,
ir comer e jogar. Dilip respondeu: — Não consigo Mestre,
os cornos não cabem na porta!—

As figuras de pedra, observam.
Já pariram árvores que sustêm rituais.
O Mundo equilibra-se sobre os calcanhares.
Deste ponto de vista ao nível do umbigo, escolhe-se o lugar
e o tempo, constrói-se o quadrado primordial,
consulta-se as estrelas, mistura-se os pigmentos,
olha-se o fogo e o pranto, rasga-se o veio da madeira, é-se.
A linha do horizonte mais alta, alarga o Oriente,
aproxima-nos dos fogos fátuos, da Terra, da água-mãe.
Os rios correm mais próximos do coração
e a monção, chega rapidamente à boca.
Inunda os conceitos formais, descentra a perspectiva,
simplifica, regra, mata os códigos rígidos,
reencarna outros, afasta o olhar na tela e na mente,
repinta por ausência de cor, telas brancas sempre virgens.
Sucessivamente.